4 de dezembro de 2011

Pesadelo de uma Mosca

Sua origem, muito mais que humílima, tem que, a bem da verdade e com toda a força da expressão, ser considerada desprezível.
Nascida nas mais infectas condições, cercada desde o nascimento por toda variedade de vírus, bactérias, fungos e outros micróbios que habitam as podridões.
Alimentando-se de dejetos; contorcendo-se entre fétidas excreções que putrefazem à sua volta; respirando os gases venenosos que evolam-se dos produtos metabolizados por toda a fauna e flora que com ela habitam a nauseante lama.
Munida de vasto arsenal de enzimas, imune aos microorganismos que a cercam, obstinadamente disposta a sobreviver, almejando, mais que tudo, um dia erguer-se e escapar do pútrido meio em que jaz imersa.
Eis aí o que faz com que resista, cresça, acumule energias, amadureça para depois; de metamorfose em metamorfose, fazer-se díptero e ganhar o espaço, voejar leve, ágil, rápida e livre, respirar o ar puro das alturas, os aromas das cozinhas de todas as categorias, os odores do todas as flores.
Já foi larva e era chamada coró, já foi casulo e era chamada pupa. Hoje é apenas mosca caseira ou mosquito, companheira inseparável do homem. Tão inseparável quanto a barata ou o cão.
Pousada no teto branco, entre numerosos pontinhos escuros deixados por companheiros seus, ou por ela mesma em noites anteriores, olhou o mundo lá fora e sentiu enorme desejo de voar naquele largo espaço que vislumbrava dali.
E, partiu!...
Primeiro, numa ágil manobra, corrigiu a posição; a seguir fez um giro pela sala, talvez para aquecimento; depois provou rapidamente uma migalha de fino bolo deixada sobre a mesa, em contínuo sobrevoou a mesa e tomou a direção da janela que lhe parecia o caminho do mundo. Mas, estranhamente, viu-se impedida por invisível e inexpugnável barreira.
A liberdade lá fora convidativa, obcecante, irresistível; a obstinada persistência geneticamente conferida a ela; tudo favorecendo a que passasse ou morresse tentando; tudo tornando impossível uma desistência.
Se o perigo maior fosse esse persistir teimoso e irracional, talvez o tempo a socorresse.
Mas não havia tempo quase nenhum!
Eis que postada num cantinho do parapeito, na junção do vidro com o suporte de ferro do vitral, uma aranha pega-mosca aguardava ansiosa, há horas, o seu alimento preferido...
Por incontáveis vezes atirou-se contra o vidro na ânsia de alcançar as luminosas distâncias desdobradas à sua frente; forças, energias sem conta gastou tentando, ao impulso das asas, transpor o obstáculo transparente que inexistia para sua percepção visual, mas era perfeitamente concreto para seu tato e para impedir sua passagem.
Percebendo serem inúteis suas tentativas repetidas, já algo claudicante, de ânimo um pouco abatido, pôs-se a caminhar pela lisa superfície a procura de uma falha, uma rachadura, um buraco, um ponto qualquer em que a barreira invisível realmente inexistisse e o deixasse passar.
Devo dizer aos que estão torcendo pela a mosca, que rachaduras, buracos ou uma fresta no vitral, não existiam. O vidro era novo e, o vitral fixo destinava-se tão somente à entrada de luz. Aos que aceitam a fatalidade; aos que acham natural o entredevorar-se dos animais; aos que não simpatizam com moscas, nem mesmo com essa lutadora que vindo das mais ínfimas condições galgou as alturas, freqüentou requintados ambientes, conviveu com a fina flor da espécie humana. A estes devo dizer que as chances da aranha eram quase totais. A demora para a consumação do inevitável devia-se, tão somente, ao fato de a superfície ser muito lisa e perpendicular à horizontal, e à aranha encontrar-se, provavelmente, repleta de ovos e, assim, pesada e fora de sua melhor condição atlética.
Inteiramente seduzida pela paisagem lá fora, a mosca ia e vinha, caminhava em círculos e passava cada vez mais perto da pega-moscas, a qual, ansiosa porém confiante, desejosa mas paciente; concentrava-se, afiava as garras, insalivava antegozando o petisco. Encolhia-se mais calculando o pulo a cada momento em que a mosca passava mais perto.
Imaginariamente talvez houvesse determinado uma linha que, se atingida ou ultrapassada pelo díptero, decretaria sua morte pelo pulo infalível, pela insuportável compressão das tenazes e pelo rápido torpor que infiltrações precisas e repetidas de seu ferrão lhe trariam.
Com o passar do tempo o sol se fez mais claro, o céu mais azul, a natureza ganhou, em luzes e cores, um maior poder de atração.
Inconformada com a idéia de estar presa, desesperada pela incontrolável vontade de seguir, de transpor, de ir em frente; a mosca acelerava o andar, ampliava os círculos... Ampliava os círculos; cada vez mais próxima... Cada vez mais próxima... Até passar tão perto e a aranha prontamente atacar.
A velocidade, tão somente a velocidade com que fazia as circunvoluções impediu que fosse trucidada de imediato. Teve apenas uma perna presa pelas quelíceras impiedosas da aranha e, esticando-se toda, agitando vigorosamente as asas, conseguiu manter-se fora do alcance das agulhadas fatais do ferrão.
Batalha sem esperança, luta sem chances, resistir que só tem como prêmio um curto prolongar da vida.
Mas, lutou!
Lutou brava e desesperadamente até que...
Tissii... Tissiii... Uma nuvem paralisante os envolveu.
Deu-se a intervenção do homem.
Uma tontura, um escurecer de vista, descontrole de músculos, enrijecer de asas, afrouxar de quelíceras.
Houve um nada para ambos. Nada que durou, quem sabe, trinta a sessenta minutos, antes de um recobrar lento de consciência.
Consciência que voltou acompanhada de terrível mal-estar, de dores e que atingiu sua plenitude antes que os músculos recobrassem os movimentos e fossem capazes de executar-lhe os comandos.
Conscientes, mas imóveis, mosca e aranha estavam frente a frente postas no piso onde caíram após o tissii do jato repelente de insetos.
Ambas querendo fugir, temerosas e certas, cada uma, de que o mergulho no nada fora obra da outra.
Ambas paralisadas e esquecidas dos desejos anteriores.
Por algum tempo, uma eternidade para a mosca que era a presa, ainda permaneceram naquele flerte paralítico e indesejável para ambas, naquela proximidade irresistível para a aranha e insuportável para a mosca.
Quem primeiro se recompôs foi a aranha que sem incomodar a mosca, tratou de sair mansinha, trôpega ainda e arranjar um canto escuro para ficar acabando de se recompor e fazendo juras de tornar-se vegetariana.
A mosca, ao sentir-se melhor, andou de um lado para o outro durante um certo tempo, depois experimentou as asas, zumbiu, ensaiou vôos curtos e, ao sentir se capaz, galgou o espaço e seguindo uma corrente de ar cruzou a porta e alcançou uma janela aberta por onde ganhou o mundo, deixando para trás aquele pesadelo.
(11/9/82) - Rilmar







22 de agosto de 2010

Meu pai, perfeito como eu

Há algum tempo, aos noventa e três anos, ele partiu para uma viagem sem volta ao encontro de minha mãe, com destino à eternidade. Tão agarrado à vida, uma vida que lhe foi tão árdua, tão sofrida, tão cheia de altos e baixos.
Tão frágil, tão submisso, tão entregue; ele que foi na vida fortaleza, disciplina, hombridade, sistemático, liderança e inteligência.


6 de agosto de 2010

Um Lobisomem na Noite

Um lobisomem pode ter coisas a nos ensinar

Em noite chuvosa, barulhenta, tempestuosa eu ouvi por entre os estrondos dos trovões e o ruflar pesado da chuva forte, uns barulhos diferentes de tropeços e lamúria, como que vindo do meu quintal escuro e ensopado. Então, destramelei a porta da cozinha que se abriu por si mesma com a força do vento, o qual entrou forte, frio e molhado e, num instante, encharcou minha roupa e meus sapatos.

30 de julho de 2010

CORA CORALINA, Aninha, Minerva, Poema

"Agosto,mais um aniversário do nascimento de Cora".

Quem é essa missionária que percorreu esses brasis?...
Que divindade é essa que perpassou os séculos?...
Quem é essa minerva que todos pararam para ouvir?...
Quem é a poetisa capaz de despertar emoções tão grandes em tantas gerações?...
Quem é essa bem amada de todas as camadas sociais?...
É Cora-Coralina, estela mor da poesia goiana.